O mercúrio constitui o único mineral liquido à temperatura ambiente, apresentando-se na forma de pequenas bolas de cor branca de estanho sobre o cinábrio, o mineral que mais comummente contém este elemento. Um dos usos correntes do mercúrio era o de este fazer parte do calamelo, um emplastro que supostamente curava as doenças venéreas, tais como a sífilis. Em1554, um alquimista alemão descobriu que os metais preciosos, como o ouro e a prata, formavam misturas intimas com o mercúrio, embora o processo fosse facilmente reversível (Smith, 1995, p. 87). Em 1572, o vice-rei do Peru, Francisco de Toledo, introduziu o processo de amálgama do mercúrio com o mineral argentífero nas minas espanholas sul-americanas. Este novo processo, muito mais rentável, exigiu, no entanto, uma quantidade cada vez maior de mercúrio que passou a ser importado de Espanha. Os aviadores, comerciantes que estavam associados aos mineros, eram, regra geral, portugueses que avançavam o mercúrio, o dinheiro, os víveres e os utensílios necessários para a mineração da prata. O volume de mercúrio utilizado cresceu tão rapidamente que se passou a explorar a mina de mercúrio de Huancavelica, descoberta em 1563 e extremamente rica neste metal (Desroches, 1994, p. 113).
Durante 350 anos, o minério argentífero foi reduzido a pó e combinado com mercúrio, água, sal e barro, misturado durante um dia e deixado a repousar durante dois dias. Todo este processo era então repetido durante cerca de 20 dias, havendo adição de mercúrio à medida das necessidades. Após a remoção da água, do sal e do barro, a amálgama de mercúrio e de prata era colocada em cadinhos e aquecida, para que o mercúrio se evaporasse e ficasse apenas a prata, que voltava ao fogo para posterior refinação. Os sulfitos de minério puderam, assim, ser processados, o que levou a um aumento de recolha de prata pura, aumento esse que chegou a ser 7 vezes maior que a quantidade obtida pelos processos antigos. Deste modo, os recursos argentíferos americanos – que estavam quase esgotados desde 1550 – foram utilizados por mais 3 séculos. Tal conduziu a um incremento do uso do mercúrio e do sal, levando à abertura de novas minas de mercúrio e de sal gema. A importância do mercúrio era tal que a Coroa espanhola tornou a sua exploração um monopólio real, tanto na sua mina de Almadén – explorada desde o tempo dos romanos – como na mina peruana de Huancavelica, no Peru.
O primeiro registro arqueológico que se conhece, relativo a mercúrio em naufrágios, ocorre em Padre Island, local onde se perderam 3 navios espanhóis, em 1554. A escavação de um navio, também ele espanhol, da armada de 1559, comandada por Luna, em Emanuel Point, na Florida, levou à descoberta de mercúrio destinado a refinação de ouro. Já no século XVIII, vamos mais uma vez encontrar o mercúrio, que fazia parte do carregamento dos galeões espanhóis Nuestra Señora de Guadalupe e Conde de Tolosa, naufragados em 1724 na baía de Samana, no que é hoje a República Dominicana. A carga de mercúrio totalizava cerca de 400 t e era destinada às fundições do Novo Mundo. Os galeões, com destino em Vera Cruz, México, foram atingidos por uma tempestade a 24 de Agosto de 1724, e afundaram-se, com toda a carga e cerca de 650 passageiros. Em 1976, Tracy Bowden localizou os restos do Guadalupe e as suas 400 t de mercúrio, que foram totalmente recolhidas por meio artesanais (Smith, 1995, p. 87).
Foi também encontrado mercúrio no local do naufrágio do San Pedro de Alcantara, em Peniche, um navio espanhol naufragado em 1786*. O metal foi também recuperado nos naufrágios do Lewis, afundado em Duxbury Reef, e no do Winfield Scott, perdido na costa norte de Anacapa Island, ambos na segunda metade do século XIX (Smith, 1995, p. 88).
* Comunicação pessoal de Francisco Oliveira, Ocidente – Centro de Estudos.
Referências:
1) REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. Volume 2. Número 4. 1999 – “Os destroços dos navios Angra C e D descobertos durante a intervenção arqueológica subaquática realizada no quadro do projeto de construção de uma marina na baía de Angra do Heroísmo” – (Terceira, Açores): discussão preliminar – PAULO MONTEIRO
2) http://naufragium.blogspot.com/2003_09_01_naufragium_archive.html